Infância e adolescência protegidas: como perceber, escutar e acolher vítimas de violência sexual
- Laís Rodrigues Fernandes
- 15 de jul.
- 3 min de leitura
Recentemente, participei de uma reportagem sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. A matéria teve como intenção alertar para os altos números de casos registrados, inclusive episódios recentes e muito graves em minha cidade. Falei brevemente sobre os sinais de alerta que podem surgir, mas esse é um tema amplo, profundo, que exige atenção constante e conversas contínuas.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é, infelizmente, mais comum do que gostaríamos de imaginar. E nem sempre vem acompanhada de marcas visíveis. Muitas vezes, ela se expressa por meio do corpo, do comportamento, dos silêncios ou das mudanças sutis, especialmente quando a vítima é muito jovem, ainda não possui linguagem suficiente para relatar o que vive, ou quando o agressor é alguém próximo, o que é muito frequente.

Sinais de alerta: o que observar
Alguns comportamentos podem funcionar como sinais indiretos de que algo está acontecendo:
Mudanças bruscas de humor e comportamento (retraimento, agitação, tristeza intensa);
Regressões (xixi na cama, medo de dormir sozinha, pesadelos, chupeta ou fala infantilizada);
Falas ou atitudes sexualizadas;
Dores físicas sem causa aparente, feridas, alterações de sono e alimentação.
Nem toda criança manifesta todos os sinais, e nem sempre eles indicam abuso, mas é importante observar e escutar com atenção, sem minimizar.
As consequências possíveis
A vivência de violência sexual pode gerar consequências psíquicas importantes, que variam conforme a idade, o vínculo com o agressor, a intensidade da violência e o acolhimento que se segue. Algumas possíveis consequências incluem:
Ansiedade, depressão, fobias, medo constante;
Baixa autoestima, culpa, vergonha;
Dificuldade de confiar em outras pessoas e de estabelecer vínculos;
Autolesão, ideação suicida, uso de substâncias;
Dificuldades escolares e de socialização;
Transtornos alimentares ou distúrbios no desenvolvimento psicossexual.
Esses efeitos podem surgir imediatamente ou anos mais tarde. Por isso, é fundamental que a vítima tenha acesso a uma escuta qualificada e um espaço seguro para elaborar essa experiência com tempo, cuidado e vínculo.

A importância da escuta acolhedora
Ao suspeitar ou receber um relato de violência sexual, é natural que o adulto se sinta tomado por emoções fortes como raiva, medo, tristeza, desespero. Mas nesse momento, o mais importante é manter a calma e acolher. Evite questionamentos como “Você tem certeza?”, “Foi assim mesmo?”, “Por que não contou antes?”. Acolher é escutar com respeito, validar a dor, proteger e buscar ajuda profissional. A revitimização começa quando a criança é desacreditada ou responsabilizada.
Como prevenir?
A prevenção é possível — e começa em casa, com atitudes cotidianas. Gosto de pensar em três pilares:
Informação: Falar com crianças, desde pequenas, sobre o corpo, as partes íntimas, o direito ao “não”, o respeito pelo próprio corpo e o de outras pessoas. Conversas educativas não estimulam sexualidade precoce, ao contrário, oferecem recursos de proteção. Há muitos materiais lúdicos disponíveis para apoiar essas conversas.
Supervisão: Saber onde e com quem a criança está, o que ela acessa na internet, quem são seus amigos e interesses. A autonomia precisa vir acompanhada de presença e acompanhamento adulto.
Vínculo: Quando a criança e o adolescente se sentem ouvidos e respeitados em suas emoções, opiniões e dúvidas, aumentam as chances de que possam contar quando algo os machuca. A base de tudo é a confiança.
Um compromisso contínuo
Proteger a infância e a adolescência é um gesto contínuo. Exige atenção, escuta, sensibilidade e ação. Como psicóloga clínica, escuto as marcas que essas experiências deixam, mas também acompanho os caminhos possíveis de reconstrução, quando há presença, vínculo e reparação.
Se você convive com crianças ou adolescentes, esteja atenta. Eles nem sempre conseguem pedir ajuda, mas quase sempre estão dizendo algo. Se esse conteúdo tocou em você, compartilhe. Pode ser a ponte que alguém precisa.



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